Os
melhores anos de nossas vidas...
Fernanda (Manga Rosa)
nandacarneiro@uol.com.br
Trancoso
era um povoado isolado do mundo, até os anos 70 do século XX.. Seu
povo vivia com costumes do século XVIII. Não circulava dinheiro,
não havia estradas, nem fechaduras nas portas. Água abundante ...
só lá em baixo, no Itapitanga, digo, Rio Trancoso.
Perto
das águas tudo é feliz - as lavadeiras, o banho nas fontes, as brincadeiras...
mas eram mulheres e
crianças que subiam a Ladeira Velha com latas dágua. Ufa! Que divisão
de trabalho sacana! E quando chovia? Vixe! Tampouco havia energia
(leia-se énergía). A noite ... hum ...
à noite escura ... a gente olhava tudo de forma diferente.
Além das matas, habitava o desconhecido, cheio de mistérios e lendas.
Laços
de amizade e parentesco era o centro da vida cotidiana. Tudo transcorria
em torno de um lugar de beleza única: o Quadrado ou Praça São
João Batista, antiga Aldeia São João Batista dos Índios - Missão
jesuítica - transformada, por ato régio, em 1759, em Villa Nova
Trancoso (Inventário
IPAC-Ba, Secretaria da Ind. e Com., 1988).
Havia
uma comunidade - o problema de um era problema de todos. Notícias
de fora ... só pelos navios, pelos tropeiros ou por nobres viajantes,
colonizadores, que circulavam por aqui. Dois séculos se seguiram
de abandono pelo poder público.
Até
que inaugura-se a BR 101 ... E a região foi re-descoberta.
Dos
anos 70 até a chegada da luz elétrica, em 1982, um tesouro cultural
permaneceu resguardado.
Os
primeiros viajantes que aqui chegaram (e muitos ficaram) eram jovens
que buscavam uma vida alternativa - Os mais citados pela memória
nativa dos anos 70 são : Omar, Aldo, Gilbert, Leila, Joel, Ricardo,
Lia e Calé, Augusto e Isa, Vegetal. E tantos outros,
que encontraram o Belo e se encantaram, não apenas com a
exuberante paisagem azul e verde, rosa e lilás... com a perfeição
do desenho da Igreja São João e das casinhas quase arruinadas:
por trás daquelas paredes, morava uma gente simples, generosa, acolhedora.
Tudo era familiar.
Famílias tradicionais locais
- Alves, Conceição, Vieira, Lima - ou da região - Cristo, Vinhas,
recriaram durante séculos uma cultura cabocla, com fortes traços
indígenas mesclados às tradições religiosas de herança jesuíta.
Algumas casas ficavam vazias, podiam ser emprestadas, e eram ocupadas
em dias de festas de santos. E lá vinha, todo santo mês, o povo
das roças em seus melhores trajes, para dançar, tocar, namorar,
conviver. Um luxo!
As
festas permanecem vigorosas - é a principal tradição do lugar, e
são vivas as oportunidades do encontro autêntico com pessoas da
comunidade.
-
Que diferenças e semelhanças os primeiros
viajantes desta era têm com os de outrora?
Assimilaram
muito dessa cultura e testemunharam uma nova ordem de problemas.
Na verdade, trouxeram muita influência. A vida econômica passou
a ocupar o cotidiano e... as assombrações se mandaram daqui. ...
Lá vai, lá vai... Temos histórias pra contar e muito mais
para ouvir...
Fato
é que - quem não dormiu naquele chão, com percevejos e pernilongos
(cobra lá vez ou outra), quem não bebeu jurubeba quente (e a laranjinha
do Deus Dará?), quem não viu Francisco Grande dançar... nem sequer
sonhou. Nada perturbava aquela festa, aquele ritmo e espaço perfeitos.
São lembranças que encantarão o resto de nossos dias...
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Memória,
tradição e modernidades
Projeto
Trancoso - um legado
ao
futuro
Nativos
e biribandos
Para
que os descendentes nativos, os moradores e visitantes não sejam
indiferentes ao patrimônio humanístico deste Povoado, algumas iniciativas
estão sendo propostas através de entidades locais, como o
Projeto Trancoso - um legado ao futuro
(Associação Arte Ofício Trancoso/Petrobrás/Ministério da Cultura)
de autoria de Fernanda Carneiro (Manga Rosa), com o apoio para a
obtenção de patrocínio. de Ricardo Salem, Dôra e Alexandre Machado
Estamos
escrevendo a fala de nativos e dos primeiros viajantes (história
oral), e também recolhendo imagens/fotos (pesquisa
iconográfica).. Relações de parentesco formam um tecido humano
divertido e a paisagem cultural surge através de causos de
Trancoso Antigo: Se
cada pessoa pescar em seus baús imagens e documentos históricos
(até 1982) ... uma rica memória daremos a conhecer.
-
Trancoso era só pariri pelo meio da rua; as galinhas botavam ovo
no meio dos matos. Matava caça na rua. No quadrado a gente matava
coelho, tudo no mato. Era muita fartura,
conta Bernarda arrematando com seu bom humor:
-
Fartava tudo!
Já
registramos 50 depoimentos – de 34 nativos e 16 biribandos.
Selecionamos quase 300 fotos. Tudo isso comporá um acervo e alguns
produtos para exposição: um livro, sob a responsa de Fernanda
Carneiro (Manga Rosa) e sua parceira na escrita, Cristina Agostinho
e Luciana Leite no projeto gráfico; alguns Marcos Históricos,
para compor as fachadas das casas históricas, com assessoria
de Silvia Mecozzi e Damião, um vídeo de Sérgio Sbragia e
uma tela de Damião. O SPHAN/Porto Seguro acompanha
este movimento de preservação da memória e já tem um rico acervo
produzido, anteriormente, por equipe da UNICAMP e que é também nossa
fonte de pesquisa. Nicélia Conceição Vieira, vem sendo a principal
auxiliar. Mauro Batista, professor de História já colaborou com
a pesquisa documental, Mundinha, Raimunda Silva Soares, contribuiu
nas entrevistas, Cláudio Santos transcreve fitas... João Farkas
e suas fotos dão um extraordinário depoimento do olhar viajante,
Márcia Moraes, Isa Castro e Augusto Sevá remexem seus baús de retratos.
-
e você? como pode participar dessa garimpagem memorial?
Se
tem alguma
foto significativa
do tempo
antes da luz elétrica (1982), envie-a para nós. Poderá ser selecionada
para compor o livro ou fará parte do acervo.
Estamos interessados em fotos das casas da Praça São João -
Quadrado Histórico - dos personagens nativos e dos primeiros
viajantes.
Enviar
para:
lu@imagelink.com.br
Ou
pelo correio tradicional, registrado, para:
Projeto
AAOT/ Petrobrás/MinC
A/C
Fernanda Carneiro
Rua
Almirante Alexandrino 3226/302/
CEP
20241-262 Rio de
Janeiro
Ou
entregue, em mãos, à Nicélia, filha do Frô e Creuza.
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